segunda-feira, janeiro 09, 2012

Trecho de Chatóv


“O princípio estético, como dizem os filósofos, é um princípio moral, como o identificam eles mesmos. É a “procura de Deus”, como eu chamo tudo o mais. O objetivo de todo movimento do povo, de qualquer povo e em qualquer período da sua existência, é apenas e unicamente a procura de Deus, do seu deus, forçosamente o próprio, e a fé nele como único e verdadeiro. Deus é a personalidade sintético de todo um povo tomado do início ao fim. Ainda não aconteceu que todos ou muitos povos tivessem um deus comum, mas cada um sempre teve um deus partícula. Quando os deuses começam a ser comuns, é sinal da destruição dos povos. Quando os deuses se tornam comuns, morrem os deuses e a fé neles junto com os próprios povos. Quanto mais forte é um povo, mais particular é o seu deus. Ainda não existiu, nunca, um povo sem religião, ou seja, sem um conceito de bem ou mal. Cada povo tem seu próprio conceito de bem e de mal e seu próprio bem e mal. Quando entre muitos povos começam  a tornar-se comuns os conceitos de bem e de mal, os povos se extinguem e a própria diferença entre o bem e o mal começa a obliterar-se e desaparecer. A razão nunca esteve em condição de definir o bem e o mal ou até de separar o bem do mal ainda que aproximadamente; ao contrário, sempre os confundiu de forma vergonhosa e lastimável; a ciência, por sua vez, apresentou soluções de força. Com isso se distinguiu em particular a semiciência, o mais terrível flagelo da humanidade, pior que a peste, a fome e a guerra, flagelo desconhecido até o século atual. A semiciência é um déspota como jamais houve até hoje. É um déspota que tem os seus sacerdotes e escravos, um déspota diante do qual tudo se prosternou com amor e uma superstição até hoje impensável, diante do qual até a própria ciência treme e é vergonhosamente tolerante.”
Chatov, personagem do livro Os Demônios de Fiódor Dostoiévski

Nenhum comentário:

Postar um comentário